sábado, 3 de dezembro de 2005

Deus salve a imprensa brasileira!!!

O ano de 2005 provavelmente ficará marcado na história do Brasil como o “ANO DO MENSALÃO”, graças aos escândalos que envolveram o governo Lula, os maiores partidos políticos brasileiros, agências de publicidade famosas e desconhecidas, estatais, secretárias, esposas e assessores.

Em meio a tantas correntes de pensamento, a nossa cada vez mais poderosa e homogênea imprensa, que foi o estopim de toda a crise ao exibir as imagens onde um assessor de 3º escalão recebe a bagatela de 3 mil reais, desempenhou um papel nada coerente, assumindo, em alguns momentos, o papel de denunciante vil, estampando manchetes sem qualquer fundamentação e, em outros, de verdadeira agência de inteligência, descobrindo com a habilidade digna dos maiores espiões da literatura mundial atos e palavras ocorridos em situações completamente privativas, onde todos os atores, após a divulgação, negaram enfaticamente os ocorridos, restando a dúvida sobre qual das versões seria inventada ou se em cada uma houve um componente de ficção.

Até pouco tempo atrás seria considerada uma injúria acusar algum jornalista de um veículo de grande circulação de “exercitar exageradamente a sua criatividade”, mas fatos e escândalos recentes em todo o mundo mostram que esta pode ser considerada até uma nova verdade do jornalismo, que não atinge exclusivamente a imprensa sensacionalista, considerada pela maioria como sendo de menor nível, mas alguns dos mais conceituados veículos da mídia mundial.

Segundo o jornalista Marcelo Beraba, Ombudsman do Jornal Folha de São Paulo, "Temos uma imprensa altamente concentrada em audiência e publicidade", justificando uma nova classificação dos veículos de informação, fugindo ao antes estabelecido como independentes versus governistas. Segundo Beraba "é falsa a idéia de que há uma imprensa única. Há várias imprensas no país. Com vários níveis diferentes de autonomia e independência. É difícil pensá-la como um bloco único. Grandes jornais têm peso desproporcional no jornalismo regional com interesses locais próprios. São muitas as contradições quando começamos a pôr uma lupa nesta imprensa".

No caso específico da postura da imprensa em relação ao governo Lula, podemos interpretar que houve uma certa complacência em relação à administração petista, já que, mais uma vez, as notícias a respeito dos escândalos só vieram à tona graças a denúncias produzidas por envolvidos nos próprios ilícitos e por conflitos de interesses entre os próprios grupos do poder, deixando a imprensa, principalmente no início da crise, se levar pelos acontecimentos, assumindo o papel de mero canal para uma guerra entre grupos políticos que lutam pelo controle do Brasil e de determinadas regiões, onde o PT assumiu o papel que até pouco tempo atrás condenava enfaticamente.

Porém, não pode ser a imprensa culpada de simplesmente não exercer o seu papel investigativo. Em setembro de 2004, a revista Veja publicou matéria de capa "O escândalo da compra do PTB pelo PT. Saiu por 10 milhões de reais". No mesmo mês, o Jornal do Brasil publicou "Miro denuncia propina no Congresso", artigo de Miro Teixeira, ex-Ministro das Comunicações, que teria encaminhado denúncia ao Ministério Público Federal sobre o mensalão. Ainda em setembro, outra matéria do JB trouxe denúncia na qual Roberto Freire, Presidente Nacional do PPS, revelava: "Este assunto circula há meses no Congresso, sem que ninguém tenha a coragem de abordá-lo".

Lembrando o antigo slogan da revista do grupo Adolfo Bloch, que dizia “Aconteceu, virou Manchete”, podemos adaptar para a situação atual como “Saiu na Globo, Aconteceu!”, pois só com a exibição do vídeo-estopim no Fantástico e um seqüência de reportagens abordando a repercussão da denúncia nos telejornais de Rede Globo, os desdobramentos da crise e a forte reação do deputado Roberto Jéferson tomaram corpo e passaram a ocupar as páginas políticas de todos os principais jornais brasileiros, além de estampar as capas das grandes revistas semanais e preencher quase todo o tempo dos programas jornalísticos e políticos de emissoras de tv e rádio nacionais e locais. Os blogs de jornalistas consagrados, como Ricardo Noblat e Fernando Rodrigues também chegaram ao ápice de suas audiências e outros, bem mais oportunistas – como o do vizinho do deputado Roberto Jéferson – alcançaram a notoriedade e até ganharam prêmios.

As TVs Senado e Câmara assumiram a liderança da audiência nos horários das CPMIs e os desdobramentos das investigações tomaram proporções de novela, ou melhor, de reality show. Porém, ao contrário das tramas ficcionais, que são guiadas pela vontade dos espectadores, os diretores destes espetáculos não se preocuparam muito em seguir a vontade da audiência e ela caiu, graças às reprises de depoimentos e, principalmente, ao pouco talento interpretativo de atores coadjuvantes como Delúbio, Serginho ou Karina, que tentaram sem sucesso equiparar-se ao talento de Jéferson, Dirceu e Duda, mas não convenceram e nem divertiram a audiência como a hilária esposa do deputado Valdemar Costa Neto ou a secretária financeira da SMP&B, que deve em breve pedir auxilio ao INSS graças à sua tendinite adquirida pelo esforço repetitivo de “contar dinheiro”.

Porém, se a Globo é a principal vitrine, devemos à Veja o crédito pela maior perseverança na busca dos escândalos que não poupam nem os partidos e políticos tidos como mais radicais. Mas deve também a Veja receber o prêmio da incoerência, pois ao mesmo tempo em que joga fogo, critica a corrupção do governo e cala-se sobre a corrupção de seu aliado FHC, continua incontestavelmente apoiando a política econômica do governo: o pagamento da dívida externa, a reforma da previdência, a responsabilização dos trabalhadores pelo seu próprio desemprego e a privatização branca das universidades.
Segundo Veja, a despeito das próprias matérias veiculadas ainda em 2004, a crise teve início em maio de 2005. Para isto, a revista expõe em seu site uma espécie de cronologia dos escândalos, onde a revista aparece como o principal protagonista das denúncias, supostamente cumprindo a função de "quarto poder". Porém, é interessante observar que o papel da revista nas investigações foi mínimo, com a desculpa de que seria dos "demais poderes" o ônus da investigação, alegando ter ao longo de todo o processo um papel "jornalístico", não levando adiante investigações mais profundas que poderiam ameaçar o projeto econômico em curso, além, claro, de não querer correr o risco de levar junto seus "amigos tucanos".

Há na postura de todos os envolvidos nos escândalos uma tese implícita de que "somos todos corruptos", para nos tentar crer que a crise deveria ser abordada muito mais pelo ponto de vista “educativo”, mas sem muita profundidade, para não entrar numa discussão aparentemente inócua sobre a estrutura do Estado capitalista e a sua necessidade de uma burocracia que pressupõe a existência de espaços para a corrupção.
Há também no papel desempenhado pela imprensa ao longo da crise nacional uma distinção ideológica entre o que é político e o que é econômico. Essa distinção é uma forma eficiente de colocar a economia como algo separado da sociedade, digna de ser gerida apenas por técnicos especializados, passível de regras próprias, jamais políticas e ideológicas, que não passam do economicismo apontado pelos críticos do pensamento único. Os casos de corrupção que vemos ocupar toda a mídia hoje são extremamente mais contundentes e abrangentes do que os apurados no governo Collor. Mas não podemos considerar que desta vez a grande imprensa esteja simplesmente tentando derrubar Lula. Ela está, isso sim, jogando o seu jogo e fazendo ameaças de mobilizar as massas, mas enquanto o governo estiver "no rumo certo", contará com o apoio de todos.

Hoje, assistimos às revistas, jornais e televisão reproduzirem a estranha sensação de que a crise, apesar de ser grave como nenhuma outra foi antes, não vai dar em nada.
Basta a discussão esquentar e novas denúncias surgirem que a imprensa executa a velha estratégia de dar ao público mais um factóide, comemorando uma cassação isolada ou simplesmente mudando o foco jornalístico da mídia. O maior escândalo da história política do Brasil cede gentilmente espaço para temas como Cúpula dos Povos na Argentina, a população revoltada às portas de Paris ou o churrasco na Granja do Torto de Lula com Bush, pra felicidade dos olhos pelos quais a Veja, a Globo e a Folha querem nos mostrar a realidade.

*Texto produzido para as disciplinas Comunicação Comparada e Estágio Supervisionado II do Curso de Comunicação Social da UEPB.